Por Carlos Américo Freitas Pinho, consultor jurídico da Fecomércio RJ e especialista em direito do trabalho

A celebração de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) entre empresas e o Ministério Público do Trabalho é um dos temas mais emblemáticos e controversos no âmbito das relações laborais brasileiras. A finalidade desse instrumento extrajudicial é promover adequações no cumprimento da legislação trabalhista, mas sua utilização desperta um debate que transcende questões técnicas para envolver aspectos econômicos, jurídicos e institucionais.
Em essência, o TAC é um instrumento consensual que busca assegurar a conformidade de empresas com a legislação trabalhista. Firmado em caráter extrajudicial, é acionado, muitas vezes, quando o MPT identifica descumprimento de normas legais e propõe um ajuste de conduta às empresas. Sua concepção visa evitar longos processos judiciais e, assim, resolver, de forma célere e prática, a reparação de eventuais irregularidades.
Todavia, o mecanismo não se limita à formalidade de um acordo. Por ser vinculativo, o TAC impõe às empresas signatárias obrigações relacionadas ao cumprimento da legislação trabalhista. Enquanto se reconhece sua função como um instrumento que beneficia tanto empregadores quanto trabalhadores, ao evitar litígios prolongados, é inegável que sua aplicação prática carrega ambivalências e desafios.
Entre os pontos positivos, destaca-se sua capacidade de evitar a judicialização de conflitos trabalhistas, permitindo rápida regularização de práticas empresariais. O TAC representa o meio-termo entre o contencioso e a resolução negociada de conflitos, dando às partes oportunidade para construir soluções em um ambiente menos formal.
Ademais, a formalização permite às empresas alinharem-se às normas vigentes e mitigarem eventuais sanções administrativas ou judiciais. Evitam-se, assim, exposições públicas mais extensas, que poderiam abalar reputações e credibilidades institucionais.
Previsibilidade de compromissos
O TAC também contribui para a segurança jurídica ao consolidar obrigações e prazos claros, dando maior previsibilidade em relação aos compromissos assumidos.
Sob o prisma reputacional, o TAC sinaliza publicamente o compromisso da empresa com a legislação e a responsabilidade social. Em um mundo corporativo cada vez mais marcado pela valorização da conformidade e da governança, tal fator desempenha papel fundamental na construção de uma imagem empresarial competitiva.
Ainda que essas vantagens sejam inegáveis, há importantes críticas à aplicação prática do instituto, especialmente no que diz respeito à sua negociação. Não se pode ignorar que muitos TACs são celebrados sob desequilíbrio de forças, em que o empresariado pode se sentir pressionado diante do risco de sanções mais severas ou de litígios longos e onerosos. Tal assimetria gera preocupação quanto à real consensualidade dos acordos, levantando questões sobre se a empresa, de fato, atua com ampla liberdade de escolha.
Outro ponto diz respeito à rigidez de algumas cláusulas pactuadas. Quando são criadas obrigações extremamente detalhistas ou excessivamente abrangentes, o cumprimento do TAC pode acabar engessando a gestão empresarial, especialmente em um cenário de constantes mudanças econômicas e legislativas. Cláusulas desproporcionais, em vez de contribuir para a regularização do ambiente de trabalho, podem inviabilizar métodos inovadores ou práticas flexíveis indispensáveis ao dinamismo do mercado.
É importante destacar que um TAC não se invalida com o tempo. Uma vez firmado, o termo mantém sua força vinculante, independentemente da passagem dos anos ou mesmo de mudanças legislativas posteriores. Muitas vezes, princípios como o da prescrição e o da aplicação da lei vigente deixam de ser considerados, perpetuando compromissos baseados em normas já superadas.
Um exemplo clássico é o da obrigatoriedade de homologação de rescisões contratuais nos sindicatos, para empregados com mais de um ano de vínculo — exigência vigente à época de muitos TACs, mas revogada pela reforma trabalhista de 2017. Ainda assim, é comum que empresas sigam sendo obrigadas a cumprir esse procedimento, sob pena de execução pelo descumprimento do termo. Cria-se, assim, um descompasso: a lei mudou, mas a obrigação contratual segue parada no tempo, gerando insegurança jurídica e comprometendo a competitividade e a celeridade que o mercado de trabalho demanda.
Alternativas de sucesso no exterior
A experiência internacional mostra alternativas que podem inspirar o aperfeiçoamento do instituto no Brasil. Em países como Alemanha, França e Estados Unidos, mecanismos semelhantes são construídos com maior ênfase na proporcionalidade, na transparência e na possibilidade de extinção do compromisso quando o fundamento legal deixa de existir.
Na Alemanha, os “acordos de conformidade”, celebrados entre empresas e autoridades reguladoras, são guiados pelo incentivo à autorregulação e à adoção de mecanismos internos de compliance. Esses acordos são monitorados por auditores independentes, reduzindo o protagonismo intervencionista do Estado.
Já na França, os processos chamados de “transaction judiciaire” (“negociação judiciária”) são conduzidos com maior ênfase na proporcionalidade das obrigações e no acompanhamento da regularização. Por meio deles, destacam-se limites mais bem definidos e maior previsibilidade em relação às sanções e ao monitoramento.
Nos Estados Unidos, os “consent decrees” (“decretos de consentimento”), adotados em litígios trabalhistas, são outro modelo de relevo. Esses instrumentos diferenciam-se pelo alto grau de transparência, englobando mecanismos claros para o cumprimento e a eventual extinção do acordo, sem perpetuação de obrigações que já perderam seu suporte normativo.
Viabilidade como princípio
Diante disso, alguns aprimoramentos são indispensáveis. É necessário que a celebração e a redação das cláusulas dos TACs observem princípios como legalidade, proporcionalidade e razoabilidade. Também é essencial preservar a flexibilidade operacional das empresas, garantindo que o compromisso não se transforme em barreira à inovação ou à competitividade.
Em síntese, a flexibilidade operacional deve ser uma prioridade no desenho desses acordos. No cenário econômico brasileiro, marcado por frequentes oscilações, cláusulas excessivamente rígidas podem comprometer a sustentabilidade das empresas, afastando investimentos e inibindo sua capacidade de gerar empregos de qualidade.
Em relação às empresas, é imperativo contar com assessoria jurídica especializada para avaliar a viabilidade das obrigações pactuadas e evitar que o TAC se transforme em um instrumento de perpetuação de responsabilidades desatualizadas.
Os Termos de Ajustamento de Conduta desempenham papel relevante para aprimorar as relações de trabalho e fomentar a cultura do cumprimento da lei laboral. Todavia, seu aproveitamento pleno depende de abordagens que conciliem a efetividade na proteção dos direitos dos trabalhadores com o respeito à livre iniciativa e à dinâmica empresarial.
Mais do que um instrumento de fiscalização, os TACs devem ser vistos como uma oportunidade de diálogo, colaboração e modernização. Para tanto, é essencial que MPT, empresariado, Poder Judiciário e sociedade mantenham um compromisso conjunto com a construção de um ambiente regulatório justo, equilibrado e promotor de desenvolvimento econômico e social.
*Esse artigo foi publicado no site Consultor Jurídico em 10/10/2025